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domingo, 18 de dezembro de 2011

Luis Salém se transforma para viver travesti em 'Aquele beijo'



RIO - Alheio ao movimento da tarde de sexta-feira, Luis Salém circula por um salão de beleza, em Ipanema, demonstrando ter intimidade com vários funcionários do lugar. É lá, num ambiente "meio nervoso, com mulheres andando de um lado para o outro", segundo as palavras do ator, que ele costuma levar a mãe para cortar o cabelo. Também foi ali, entre secadores, espelhos e muita vaidade, que Salém começou a esboçar o perfil da travesti Ana Girafa, de "Aquele beijo". Apesar de trabalhar na fictícia comunidade Covil do Bagre, a cabeleireira e dona do New Roberta’s — homenagem à transexual Roberta Close, musa inspiradora da personagem — tem muito a ver com as observações feitas pelo ator no endereço nobre da Zona Sul carioca.

— Não sou o tipo de pessoa que frequenta salão, mas acompanho a minha mãe. Daqui tirei o trejeito das cabeleireiras que adoram se olhar no espelho para ajeitar o cabelo, a sobrancelha ou a roupa quando não estão com os clientes. Como elas, Ana Girafa nunca está totalmente parada em cena e sempre dá aquela conferida no visual — relata Salém, usando chinelo e bermuda que deixa à mostra suas pernas depiladas.

Sim, a transformação do ator na personagem criada por Miguel Falabella exige sacrifícios. Como não tolera depilação com cera, o ator passa gilete no corpo e raspa braços e pernas antes de gravar. As unhas são pintadas sempre que ele pisa no Projac. Sua preparação completa chega a durar 1h30m.

— Não vou sair de lá com a unha pintada para comer pizza, né? A minha transformação é quase um ritual. Agora, eu já me acostumei, mas foi um susto a primeira vez em que me vi completamente montado como Ana Girafa — revela ele.

Para entrar no set travestido, Salém usa um corpete feito de silicone com seios falsos e um >sav<corselet justo para deixar o ator com cintura. Já o corte de cabelo da personagem foi inspirado em Roberta Close, conforme conta a supervisora de caracterização da novela, Melissa Paladino:

— No tom dos fios, que foram clareados com luzes, a referência foi a Claudia Raia. O ator gosta muito do visual dela.

A peruca, que já vai para a cabeça de Salém penteada e enrolada, é o último passo de uma meticulosa transformação. Antes desse retoque final, o ator ainda gasta uns bons minutos na cadeira da maquiagem, que passa longe dos exageros de grande parte das travestis.

— A ideia é que a Ana Girafa se pareça com uma mulher de verdade — diz Melissa.

Salém pede o mesmo estilo usado por atrizes como Carolina Ferraz, com direito a olho de gatinho e cílios alongados. E é o primeiro a admitir, em tom de galhofa, que nunca ficará com a cara da atriz de "O Astro".

— Já fiz gay, travesti e só falta uma mulher de verdade. Eu também ainda não tenho o salário das atrizes que chegam ao Projac duas horas antes da gravação para se preparar — brinca.

Morador de Copacabana, o ator, que chama o seu bairro de "paraíso da terceira idade", agora é constantemente parado pelos telespectadores da trama das 19h.

— Já vieram falar comigo até sobre as roupas da Ana Girafa. No começo, achei que fosse deboche — pondera Salém, que também bateu um longo papo com uma travesti real antes da estreia de "Aquele beijo": — Ela participou como convidada da primeira gravação, em que eu estava vestido de Lady Gaga, e me ajudou a entender essa alma feminina.

Acostumado a dar vida aos tipos criados por Falabella — ele atuou nas novelas "Salsa e merengue" (1996) e "A lua me disse" (2005) —, Salém confiou no autor quando recebeu o convite para interpretar uma travesti.

— O Miguel faz você rir, mas, ao mesmo tempo, passa informação. A comédia dele não é frouxa nem boba. Ele levanta questões sem ser panfletário. E expõe o lado ridículo de ricos, poderosos e pobres — argumenta.

Segundo Salém, para interpretar algo escrito por $é preciso certa embocadura. Agora, para evitar grandes afetações, ele procurou um tom de voz mais baixo.

— Tento fazer a Ana Girafa o mais humana possível. Mais do que estudar um gestual, quis enveredar por um caminho natural. A personagem é tratada e respeitada como mulher dentro da comunidade em que vive. O meu sonho é que as pessoas esqueçam que é um homem fazendo esse papel — conta o ator, um tipo que gesticula muito enquanto fala.

No folhetim, a personagem é a primeira a encarar a sua condição com bastante bom humor e dá sinais da sua sabedoria ao dizer frases como: "Numa sociedade capitalista como a nossa, onde as pessoas precisam procriar e consumir, eu escolhi ser diferente" ou "O preconceito é que nem barata. O mundo acaba, mas a barata sobrevive".

A desenvoltura de Salém no atual papel não é surpresa para a atriz Stella Miranda, colega de elenco na trama e amiga do ator há mais de 20 anos.

— Já o dirigi no teatro e conheço seu potencial. Ele é um comediante de muitos recursos. Um outro ator poderia pesar na mão ao viver a Ana Girafa, mas o Salém não — compara Stella, antes de entregar um apelido do amigo: — A gente também se atormenta muito e, nessas horas, eu o chamo de Salete.

Parceiro do ator nos palcos — vira e mexe eles remontam o musical "Subversões" —, Aloísio de Abreu achou divertidíssima a composição do $em "Aquele beijo".

— A TV pega muito a alma da pessoa e o Salém é aquilo ali: um cara hilário — aponta Aloísio, que convive com o ator dentro e fora de cena. — Somos amigos de família e conheço a mãe dele. Assim como todo mundo, o Salém também tem seus momentos de mau humor. Mas o que mexe mesmo com ele é o medo de avião — entrega Aloísio.

Com um trabalho mais ligado ao humor, o ator já quis fugir dos rótulos e chegou a fazer clássicos no teatro para provar não ser apenas um intérprete de tipos cômicos. Hoje, ele, que também pode ser visto na reprise da segunda temporada da série "Na fama e na lama", do Multishow, já não se preocupa em provar nada para ninguém.

— A TV realmente rotula muito e você acaba repetindo os personagens. Eu mesmo já fiquei muito tempo no elenco do "Zorra total" e sou sempre associado ao humor. O meu caminho é o da comédia. Assim como o da Ivete Sangalo é cantar axé. Mas, se quiser, ela também pode cantar jazz — afirma Salém. 
 
Créditos ao O Globo

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